Estamos sempre correndo o
risco de nos desviarmos por usar uma terminologia além da nossa real
experiência. Todas as denominações religiosas possuem diversas expressões que
lhes são peculiares, e podemos ser capazes de adotá-las sem, entretanto,
entender seus significados de maneira prática. Por isso é importante criar uma mentalidade
de que o Cristianismo não é um mero conjunto de expressões, mas uma realidade
divina – uma viva, ativa e poderosa influência se infundindo em todos os sentimentos
e afeições da alma e se mostrando em nossas vidas.
Um dos termos mais utilizado e
pouco compreendido é, “comunhão”. Comunhão com Deus é o grande segredo da força
de um cristão, e é, portanto, da maior importância que o cristão possa, clara e
distintamente, entender o que significa, em que consiste e também, que
cuidadosamente se guarde de todas as coisas que sejam meras falsificações dela.
Se pedirmos a definição de comunhão a alguém, poderíamos receber a resposta de
que é a simples entrada nos pensamentos de Deus; e já que os pensamentos de
Deus encontram seu grande centro em Jesus, ser capaz de entrar em Seus pensamentos
sobre Jesus, constituiria a mais elevada parte da comunhão para a alma.
Deus tem exaltado sobremaneira
o Bendito Jesus, então, quando formos capacitados, pelo Espírito, a fazer o
mesmo, nossos pensamentos estarão em feliz comunhão com Deus, e isso é o que
deveríamos procurar. Porém, deveríamos lembrar de que comunhão com Deus é algo
muito diferente da comunhão com uma igreja Cristã, mesmo que ela tenha uma sã
doutrina, ou uma prática pura.
Entretanto, o ponto que desejo
apresentar neste artigo é a importância da real e pessoal comunhão com Deus,
longe da ajuda até mesmo de instituições divinas. Nós devemos ver a comunhão
como algo puro, abstrato, independente e santo, muito além de qualquer coisa
terrena. “A hora vem, quando vós não adorareis nem nesta montanha, ou em
Jerusalém”. Novamente, “Deus é Espírito: e aqueles que O adoram devem adorá-Lo
em espírito e em verdade”. Debaixo da lei houve quatro coisas essencialmente necessárias
antes que uma adoração aceitável pudesse ser oferecida:
1ª -
Um sacerdote da pura semente de Arão – puro em raça e puro em pessoa. Um homem
podia ser da semente de Arão, mas caso tivesse uma única imperfeição em seu corpo,
uma única culpa pessoal, ele não se atreveria a aproximar-se para oferecer o
pão, ou se pôr em pé diante do altar de seu Deus. (Veja Lv. 21:21)
2ª - O
sacerdote deveria segurar em suas mãos um incensário puro – um incensário de ouro.
3ª -
Deveria colocar no incensário, incenso puro.
4ª - E
deveria queimar o incenso com fogo puro do altar.
É necessário relembrar aos
leitores Cristãos que essas coisas eram representativas. Primeiramente devemos
ser lavados de nossos pecados pelo sangue do Cordeiro e, então, sermos feitos
sacerdotes diante de Deus antes de nos aproximarmos do altar. Sem o
conhecimento dessas coisas, não pode haver adoração. Religiosidade pode haver
em abundância, mas não genuína adoração. A mera religiosidade pode frequentemente
pôr a alma em posição de um “adorador” e, quando esse for o caso, a religiosidade
será posta no lugar do precioso sangue de Cristo. Assim, como o incensário do
sacerdote necessitava ser puro, onde o incenso era consumido, também os
corações dos cristãos devem estar devidamente regulados antes que o aroma suave
de grato louvor possa subir até Deus. Além do mais, como o sacerdote
necessitava pôr incenso puro, então agora, Cristo deve ser o puro e simples
material da adoração de nossas almas. E, por último, como o incenso precisava
ser consumido por fogo puro, agora, o Espírito Santo deve acender em nossas
almas a chama da adoração pura e espiritual.
Então, enquanto com corações
verdadeiros e mentes ensinadas pelo Espírito nos alimentamos em Cristo,
apresentamos a Deus a fragrância da adoração aceitável.
Os pontos acima podem ser
aplicados, mas já foi dito o bastante para mostrar que a comunhão é algo
puramente espiritual, e também, quão importante é vigiarmos contra todas as
coisas que são “fogo estranho”, o que pode ser a simples introdução do estranho,
ou seja, elementos carnais e terrenos em nossa adoração. Não apenas algo ímpio
pode ser usado como um obstáculo, mas também coisas corretas, sim, até mesmo instituições
divinas. Enfim, quanto mais uma instituição prove vir de Deus, mais necessária
é a vigilância, para que ela não usurpe o lugar de Deus em nossos corações.
A consciência de um crente irá
facilmente detectar e fugir daquilo que é abertamente oposto a Deus e à Sua
verdade, mas ele pode não ver tão prontamente o perigo conectado ao que foi
estabelecido acerca de Deus e honrado por gerações de fiéis de outras épocas.
Daí a força e adequação do apelo, “Porque assim diz o SENHOR...
Buscai-me, e vivei; Mas não
busqueis a Betel, nem venhais a Gilgal, nem passeis a Berseba, porque Gilgal
certamente será levada ao cativeiro, e Betel será desfeita em nada.”. Betel,
Gilgal e Berseba foram todos lugares santos aos olhos dos israelitas fiéis.
Betel foi o lugar onde o
espírito de Jacó sentiu pela primeira vez a doçura e a solenidade da presença
divina – era “a casa de Deus” – um lugar que possuía muitos encantos para o
coração e que era conectado a muitas lembranças santas. Essa era a
característica de Betel em seus primeiros dias, mas, que lamentável! - Aqueles
dias se foram e Betel perdeu sua primeira glória. Jeroboão colocou um bezerro
ali tornando Betel a casa do bezerro em vez de a casa de Deus. De que valor,
então, era a casa de Deus se Deus saiu da casa? Quem pensaria em atribuir
importância ao mero nome de Betel, quando o Deus de Betel não seria mais
encontrado ali? Ninguém que em seu coração valorizasse a Deus, poderia se
sentir satisfeito ao ir à casa de Deus e encontrar um bezerro lá – uma zombaria – uma vaidade. Ainda
mais, esse era o pecado de Israel, eles permitiram que Betel ficasse entre eles
e o Deus de Betel. Por isso a importância da palavra, “Buscai-ME”.
Gilgal era, como sabemos, o
lugar no qual Israel experimentou, pela primeira vez, o trigo da terra de Canaã
e tiveram o opróbrio do Egito tirado deles. Também, de Gilgal, Josué e seu
bando de conquistadores costumavam sair para novas conquistas contra os incircuncisos,
e para lá voltavam para desfrutar dos despojos. Desse modo era um lugar cheio
de interesses santos e enquanto visto em conexão com as coisas que aconteceram lá,
pôde despertar muitas emoções piedosas no coração de um adorador fiel. Mas o
que poderia proporcionar valor a Gilgal além do espírito e dos princípios que
pertenciam àquele lugar? E se esses não fossem mais reconhecidos, Gilgal seria
somente um nome vazio, estabelecido para afastar os corações da viva comunhão
com o próprio Deus, e ainda mais por ter sido como fora, um lugar de
experiência verdadeiramente divina para o povo do Senhor.
Por último, Berseba foi “o
poço do juramento”, um lugar que se tornou querido por muitas razões, como por
exemplo, pela prosperidade de Isaque, e, portanto, valorizado e assim mantido
somente quando conectado a tais circunstâncias.
Assim nós vemos como o que foi
sagrado no passado, os lugares acima citados, funcionaram como um laço para os
corações dos Israelitas e tendiam a afastá-los de Deus. Enfim, era o fato de
estarem associados com tantas lembranças santas, e que realmente vieram de
Deus, que constituiriam ligações tão perigosas. O diabo não apresenta aos
Cristãos coisas claramente más e heréticas; ele sabe que tais coisas seriam
logo rejeitadas, porém, ele trabalha pela instrumentalidade das coisas que têm uma
aparência de verdade e piedade sobre elas; sim, e coisas que poderiam ter tido
uma sanção divina no passado, mas que depois de tudo não suportariam a luz da
Palavra. Isso não faria um Israelita estar satisfeito com a velha instituição
de Betel, Gilgal e Berseba; Ele poderia ser bastante diligente em ir a esses
lugares, e ainda assim seria alvo da exortação, “Buscai-ME”.
Qual é, então, a lição que
fomos convidados a extrair a partir dos ensinamentos que tivemos? Simplesmente
isto: comunhão com Deus e comunhão com instituições divinas são coisas
completamente diferentes; nós podemos frequentemente perder a primeira em nosso
zelo pela última. Quão frequente mostramos muito zelo ao trabalhar por alguma
instituição cristã, enquanto, talvez, nossas almas estão estéreis e vazias de comunhão
pessoal com o próprio Cristo. Com que frequência, também, como os discípulos no
caminho de Emaús, conversamos sobre as coisas conectadas com Cristo, quando, se
Ele mesmo se aproximasse, não O conheceríamos. Em tempos como os que vivemos,
pode ter sido dito a nós de maneira razoável, “Não procurem instituições – não procurem
ordenanças – não procurem meramente coisas que são conectadas com Cristo, mas
busquem a Ele mesmo – A Sua própria Pessoa Bendita – A realidade divina da comunhão
pessoal com o Filho ressurreto de Deus, sem a qual a mais justa instituição fica
sem poder – e a mais solene ordenança é fria e sem vida”. Nem são somente a meras
instituições humanas que tudo isso deve ser aplicado, mesmo para aquilo que é
de autoridade divina, como por exemplo, a ceia do Senhor, o ministério da
Palavra, a comunhão dos cristãos, todas as quais são, por assim dizer, maneiras
de desdobrar as cortinas que podem conter a Cristo atrás delas, para a alma que
realmente O procura ali, mas que pode apenas tender a escondê-Lo da vista
daqueles que estão ocupados e atraídos por formas exteriores ao invés da
verdade, do espírito, e da vida.
Vamos, então, procurar
perceber a pessoa de Cristo, nos esforcemos para encontra-Lo no partir do pão,
no ministério da Palavra, na comunhão dos Cristãos, na oferta de orações e
louvor, na Palavra, em tudo aquilo em que Ele tem nos dito que seria encontrado;
mas não devemos confundir a alegria nessas coisas com a alegria em Deus, para
que não sejamos encontrados em nossa própria esfera e de acordo com nossa própria
medida, ajudando ao mal característico destes últimos dias, a se tornar UM MODELO
DE PIEDADE SEM O PODER.
C. H. MACKINTOSH
O que impede minha comunhão?
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