A carta aos Romanos é o evangelho explicado, portanto ali podemos ver
mais detalhes de como Deus trabalha na alma que foi vivificada pela Palavra
aplicada pela ação do espírito (a água e o Espírito de João 3, ou novo
nascimento).
Romanos 1 nos fala da
condição do homem e do mal generalizado encontrado no mundo, em especial no
paganismo.
Romanos 2 mostra como é
infrutífera a tentativa humana de controlar o mal, inclusive da incapacidade da
Lei mosaica em justificar o homem.
Romanos 3 chega à conclusão
de que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, merecendo assim o
juízo. Então no final do mesmo capítulo é revelada a justiça de Deus e o sangue
de Cristo, o qual assumiu na cruz o lugar do homem pecador.
Romanos 4 nos fala da justificação
do homem por graça e o capítulo 5 mostra o domínio da graça e seus efeitos.
Romanos 5, após ter deixado
claros o pecado, o juízo e a provisão de Deus para o pecador, trata dos efeitos
disso no homem perdido e escravo do pecado, da lei e da carne.
Romanos 6 fala da libertação
do mundo e do pecado em seu sentido exterior, o que é tipificado no batismo que
representa considerarmo-nos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo
Jesus.
Romanos 7 fala das cadeias da
lei sendo rompidas pela morte de Cristo, que ressuscitou e, portanto, não está
mais sujeito à lei. O crente vive pela fé no Filho de Deus em sua condição
atual.
Romanos 8 nos fala da
libertação da carne, o que se obtém pelo poder do Espírito que agora habita no
crente e o capacita a viver em novidade de vida.
Quando lemos
Romanos 7 encontramos um homem aflito e buscando a libertação. Ao final do
capítulo ele clama: "Miserável homem que eu sou! quem me livrará do
corpo desta morte?", mas a resposta vem logo em seguida: "Dou
graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. Assim que eu mesmo com o
entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado. Portanto,
agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus [que não andam
segundo a carne, mas segundo o Espírito.] Porque a lei do Espírito de vida, em
Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte." (Rm 7:24-25;
8:1-2 - a parte entre chaves não consta dos melhores manuscritos).
Considere o homem
de Romanos 7 como tendo sido vivificado, ou seja, ele já nasceu de novo, tem
vida vinda de Deus e pode agora chamar a Deus de Pai, mas ele ainda não está
liberto. Não é alguém perdido em seus pecados, mas também não é alguém liberto.
É possível cair em dois erros quando o assunto é o homem do capítulo 7
comparado ao do capítulo 8. Alguns acham que o homem do capítulo 7 ainda não se
converteu, que é um incrédulo perdido em seus pecados. A razão de considerá-lo
assim é a palavra "carnal" que aparece em Romanos 7:14: "eu
sou carnal, vendido sob o pecado". Mas é preciso entender a diferença
entre "carnal" e "natural".
Existe o homem "natural",
o "carnal" e o "espiritual". O homem de
Romanos 7 não é o homem natural, "morto em ofensas e pecados"
(Ef 2:1) e este assunto é melhor detalhado nos capítulos 2 e 3 de 1 Coríntios.
No capítulo 2 o apóstolo diz que "o homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente." (1 Co
2;14). No capítulo 3 o termo usado é outro pois está falando de crentes e não
de incrédulos. Crentes carnais, mas ainda assim crentes. "Porque ainda
sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e
dissensões, não sois porventura carnais, e não andais
segundo os homens?" (1 Co 3:3).
Portanto uma pessoa
convertida pode não ser uma pessoa "espiritual", e é por isso que
Paulo faz esta distinção ao escrever aos Gálatas: "Irmãos, se algum
homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais,
encaminhai o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não
sejas também tentado." (Gl 6:1). Ao exortar os que são "espirituais"
a ajudarem os "carnais" Paulo demonstra que um está mais
capacitado que o outro a identificar o mal e ajudar a restaurar seu irmão, mas
também mostra que essa é uma condição variável, pois mesmo o "espiritual"
deve vigiar para não cair.
William Kelly
escreve em seu artigo "Deliverance": "Quem são eles
(os 'espirituais')? Aqueles que conhecem melhor o odioso mal que existe na
carne e, o que é ainda mais importante, a graça de Deus. Estes podem, portanto,
se apiedarem das almas que são enganadas e se desviam do Senhor. Um homem
carnal conhece tão pouco a Deus e a si mesmo que não é apto para fazer esse
trabalho (de ajudar a restaurar seu irmão). Ele acabaria errando, tanto para o
lado da camaradagem, que o levaria a dar pouca importância ao pecado, como para
o lado da aspereza. O homem espiritual, por graça, mantém o equilíbrio. Ele é
capaz de condenar o pecado e ao mesmo tempo auxiliar a alma em graça visando
sua restauração".
Isto nos faz
entender que a carnalidade pode se manifestar em um crente tanto na forma de
libertinagem como de legalismo. É fácil enxergar esta segunda tendência quando
vemos que o homem do capítulo 7 de Romanos está aflito por não conseguir ver em
seu corpo de carne uma completa sujeição à lei. Ele cai no farisaísmo quando
deixa de fazer essa cobrança de si mesmo e passa a cobrar isso dos outros.
Ao fazermos esta
distinção entre o natural, o carnal e o espiritual é preciso entender que
apenas o primeiro ainda não está salvo. Um crente carnal possui o Espírito
Santo ("se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é
dele" - Rm 8:9), porém não anda no Espírito ou julga as coisas no
Espírito. O homem carnal de Romanos 7 está nessa batalha porque é nascido de
novo e tem vida vinda de Deus, ou nem se incomodaria com isso se fosse
incrédulo. Ele quer fazer o bem, mas se sente miserável por não conseguir. Ele
busca a Deus, ao contrário do homem natural descrito em Romanos 3. O homem
nascido de novo tem horror ao pecado e se deleita em Deus, mas pode ainda não
viver na condição de liberdade do homem de Romanos 8.
Resumindo, somos
salvos pela fé em Cristo, e não pelo entendimento de nossa salvação. E a
fé é um dom de Deus e é ele o autor de nossa salvação, não nós ou nossas
certezas. Se fosse diferente e precisássemos ter certeza de nossa salvação para
termos garantia dela, ao menos nesta parte o mérito de nossa salvação seria nosso
e mesmo essa certeza poderia variar de pessoa para pessoa. Enquanto alguns
viveriam radiantes com a certeza do perdão de seus pecados, outros teriam aqui
e ali algumas dúvidas que lhes causariam inquietação. Ou então, quando caíssem
em pecado e perdessem a comunhão com Deus, poderiam também se sentir vacilantes
em afirmar que estariam completamente salvos (embora efetivamente estivessem
desde o momento em que creram em Jesus).
Se a salvação dependesse de nossos sentimentos de certeza ela também
iria variar conforme nossas emoções. Poderíamos encontrar pessoas que afirmaram
durante anos a certeza de sua salvação, mas que por alguma disfunção física ou
mental causada por enfermidade chegassem ao fim da vida duvidando dela. Podemos
descansar na certeza de que Deus não deixa confuso alguém que busca por ele ou
clama pelo nome de Jesus para ser salvo.
“Porque a Escritura
diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. Porquanto não há diferença
entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos
os que o invocam. Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.” (Rm 10:11-13)
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